[Atenção: Análise com Spoilers] – Para uma melhor experiência da sua leitura, ouça ao mesmo tempo, o PODCAST no fim desse texto.

Texto por Fábio Henrique Marques

[Orientação e ideia central por Samara Corrêa e Margareth Maria Demarchi]

               Acho interessante como os professores mágicos de Harry Potter colocam desafios perigosos para os alunos de Hogwarts, com até risco de morte, haja visto o Torneio Tribruxo que, em sua primeira competição, Harry, Cedrico, a francesa Fluer e o búlgaro Vítor Krum, após serem selecionados pelo Cálice de Fogo, devem enfrentar e confundir um enorme dragão para pegar seu ovo dourado. É feita uma incrível arquibancada para os alunos e professores assistirem o torneio, mas como descrevi, os professores alertam: “Há risco de morte”, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Fico imaginando na vida dos trouxas, os professores alertando seus alunos que as próximas atividades serão tão perigosas que os alunos correrão risco de morte. “Mas não se preocupem” – eles diriam – “nós vamos assistir da arquibancada. Tenham cuidado, alunos.” Acontece que em um mundo mágico tudo é possível! Será que é possível fazermos alguma analogia no mundo mágico dos trouxas, mas que foi reduzido a mundo real?

       Para desvendar esse grande mistério devemos considerar o excesso de racionalidade e intelectualidade que o mundo dos trouxas está inserido hoje em dia, e que estar mentalmente e emocionalmente em um mundo encantado em que tudo ao nosso redor se comunica com a gente é considerado pelos céticos e até religiosos, como superstição. Acontece que nem sempre foi assim… a base das religiões, mitologias, conto de fadas, histórias que a humanidade criou tem fundamento nas questões emocionais humanas mais profundas. E para tudo aquilo que é mais difícil entender racionalmente, foram criados símbolos para podermos entender mais profundamente o que não conseguimos entender mentalmente dos fenômenos espirituais emocionais que nos acontecem, ou mesmo explicar os fenômenos da natureza, como suas forças violentas: raios, trovões, vulcões, furações e a força da água, e talvez tentar explicar o sol, a lua, as estrelas e as águas que caiam do céu. E quem sabe, esses símbolos não potencializam a nossa intuição? As próprias religiões usam símbolos para criar uma conexão com algo maior para poder explicar nossas questões mais profundas como de onde surgimos, qual o nosso propósito e qual seria nosso papel depois da morte. O paraíso pós morte poderia ser uma intuição profunda do que há por vir, haja vista que desde que o mundo é mundo criamos a ideia de paraíso em diversas, senão em todas as religiões, ou como intuição instintiva de querer um retorno ao conforto perfeito no útero materno, onde todos nós ainda não temos noção de perigo externo, estamos quentes e abrigados, e ainda a alimentação nos chega sem esforço nenhum… um paraíso pessoal.

               Acontece que nesse caso, acertar qual das duas opções seria a correta não resolveria nada, pois o objetivo da nossa observação mágica, é entender PORQUE criamos essas mitologias, e não PARA QUÊ. E o porquê, é que psicologicamente, segundo alguns estudos importantíssimos, é uma condição humana herdada biologicamente de geração a geração, milênio à milênio, estruturada para lidar com os mistérios da vida e essa condição têm nos ajudado a viver emocionalmente, pois o mágico faz parte da vida de todas as pessoas: seja esse mágico através de uma meditação harmoniosa e cheia de paisagens imaginativas, seja através do paraíso idealizado em que nada nos faltará, seja através de uma conversa imaginativa consigo mesmo para entender melhor o que o eu profundo deseja, seja através de um sonho de uma pessoa qualquer da tribo que o pajé modificou para ser útil a todos da comunidade, ou seja para sentar ao redor de uma fogueira como os antigos faziam e contar uma história incrível que surgiu da sua cabeça. Mas parece que nesse mundo dos trouxas, todos esses fenômenos espontâneos incríveis dos humanos foram reduzidos, pois a partir do momento que a ciência explica racionalmente todas essas coisas mágicas, deixamos de dar valor a elas. E se as colocamos de lado por assim dizer, é justamente porque a ciência explicou não é mais mágico, simbólico ou mitológico. Nesse sentido, o valor daquele fenômeno ou momento foi reduzido. E o mesmo acontece com Deus. Antigamente, os raios, as catástrofes e tudo aquilo que era desconhecido era atribuído a Deus. Mas a partir do momento que a ciência pôde explicar o que era o raio e os outros fenômenos da natureza, então colocamos Deus de lado, dizendo então: “Ah! Isso não é Deus… é só a ciência.” Mas até quando vamos colocar Deus em segundo plano, ou em outras palavras, caso você, leitor, não seja religioso, até quando vamos colocar o mágico em segundo plano como descrevemos a pouco? Será que está sendo saudável haja visto a Era da Ansiedade e Depressão que o mundo dos trouxas está vivendo?

               Agora, retomando a magia e mais precisamente, essa magia de Harry Potter e Hogwarts, criada da mente de uma pessoa e que com toda certeza, se inspirou na mente de outras pessoas, podemos dizer que esses professores não são totalmente doidos se considerar que eles são nossas mágicas partes sábias de nós mesmos. São as nossas intuições ou até mesmo aquela voz racional que nos ajuda escolher diante de uma situação difícil, que o torneio é exatamente o símbolo desses desafios que temos diante da vida e que cada partida é um desafio diferente, que veremos mais adiante. Mas o motivo de que os professores não estão preocupados com a morte dos alunos, é devido ao fato, que nesse mundo mágico a morte não significa o fim de tudo. Pelo contrário: significa vida. Pois após a morte simbólica do nosso ‘velho eu’, sempre vêm a VIDA do ‘novo eu’ renascido diante daquele desafio pelo qual a pessoa acabou de passar. Nesse sentido os professores só podem pensar que diante de qualquer desafio, seja ele qual for, o resultado é sempre positivo, pois a magia está no fato de que sempre algo é aprendido. 

               Simbolicamente o dragão do primeiro desafio do campeonato pode ser caracterizado como um desafio interno monstruoso, como um medo e a falta de habilidade para tomadas de decisões, a sustentação da autoimagem para os outros e não para si mesmo, um trauma passado, auto controle emocional, habilidades de comunicação e por aí vai. Enfrentar esses dragões internos é inevitável, mas tomar o ovo dourado para si como símbolo irrevogável do nascimento é preciso muita dedicação e empenho como Harry teve que ter, e por fim, saiu renascido depois da quase morte diante do perigoso desafio como vemos na batalha. Como é pra você colher os frutos de uma experiência, mesmo que essa experiência não seja tão agradável emocionalmente? Se você consegue observar quais são os benefícios de uma vivência difícil, consegue observar o quão é GRATIFICANTE também pra VOCÊ colher esses frutos dessa experiência? E ainda mais profundo: você consegue observar que, colher os frutos de uma experiência difícil, simbolicamente de uma experiência de vida-morte-vida, é como colher frutos mágicos que transformam a sua vida e que, se nos abrirmos para, transforma também o nosso mundo real e cinza, em um mundo mágico onde as coisas são totalmente possíveis, positivamente falando?

               O torneio em si é um símbolo desses desafios internos como já descrevemos. Após capturar o ovo dourado – símbolo de renascimento de um desafio recente, Harry tem que agora entrar nas águas profundas de si mesmo (e a água em muitas mitologias sempre foram símbolos das emoções), e resgatar aquilo que é mais importante para ele e que lhe foi roubado. Harry só pôde descobrir isso após ouvir a música secreta de dentro do ovo que só poderia ser ouvida debaixo d’água. É interessante observar o quanto o canto é simbólico e faz parte da transição de um desafio para o outro:

Procure onde nossas vozes parecem estar,

Não podemos cantar na superfície,

E enquanto nos procura, pense bem:

Levamos o que lhe fará muita falta,

Uma hora inteira você deverá buscar,

Para recuperar o que lhe tiramos,

Mas passada a hora – adeus esperança de achar.

Tarde demais, foi-se, ele jamais voltará.”

               Perdidos em nós mesmos, seja através dos nossos problemas ou do nosso egocentrismo, podemos esquecer que o amor, a fraternidade e a conexão com as outras pessoas são as coisas mais mágicas e preciosas que podemos ter. E não à toa que Harry encontra Ronnie Wesley acorrentado embaixo d’água, que, com certeza, lhe faria muita falta. E não só encontra Ronnie. Hermione e muitos outros novos amigos estavam passando pela mesma dificuldade. Mas Harry, simbolicamente assim como na nossa vida, havia conseguido explorar o máximo da sua experiência anterior com o ovo de ouro, e sabia que já era rico emocionalmente por ter passado ileso pela experiência anterior. Harry se destaca, pois é o herói idealizado por todos nós e quer salvar não só seu amigo, mas aqueles que eram importantes para os outros também. O herói último, aquele presente no imaginário de todos nós, cuja suas façanhas nos animam e nos entusiasmam, não consegue vencer sem que os outros vençam juntos. É o herói pleno, que quando idealizado como uma fonte de inspiração dentro das nossas aspirações, todos sabemos que o herói é incrível assim- salvaria a todos com toda a certeza. Harry é a representação desse herói e de algum jeito sabíamos que não deixaria as outras pessoas na mão. Ainda mais quando se trata das partes mais importantes de nós mesmos. Ainda que consideremos que as pessoas externas sejam a fonte de nossa força, só a força de amor, já reconhecida dentro de nós, poderia salvar o outro, nos compadecendo de seus problemas e ajudando-o de alguma forma, mas internamente, essa força reconhecida dentro de nós mesmo é a única que pode resgatar nossos ‘eus’ afogados nos lagos de águas profundas de nossas emoções. Se tomarmos como exemplo a parte raivosa de Ronnie como se fosse a nossa raiva interna, será que nós, no papel de Harry, estaríamos prontos para resgatar essa nossa parte raivosa afundada nas águas das emoções? Só poderíamos resgatar essa raiva por exemplo, com a parte ponderada de nossa Força interior do Herói reconhecido – essa força interior é representada pelo Harry no filme e no livro. Não seria necessário reconhecer nas águas profundas do nosso eu, qual é a utilidade da nossa raiva (ou fácil irritabilidade, em outro exemplo), para poder resgatá-la e assumi-la como parte de nós, para vivermos mais em paz com nossos fantasmas interiores? E se tomarmos as características da Hermione como nossas, no sentido de identificação e empatia, qual seria a parte que resgataríamos no inconsciente do nosso eu que ainda não exploramos? Ou em outras palavras… Por quê muitas pessoas se identificam e gostam muito da Hermione, por exemplo? Existe algo dentro delas, da força interior, que se assemelha a força de personalidade da Hermione?

               Não faz mais sentido agora o canto do ovo dourado, que de dentro d’água seja a instrução para o próximo desafio dentro de um lago profundo? Vamos rever?

Procure onde nossas vozes parecem estar,

Não podemos cantar na superfície,

E enquanto nos procura, pense bem:

Levamos o que lhe fará muita falta,

Uma hora inteira você deverá buscar,

Para recuperar o que lhe tiramos,

Mas passada a hora – adeus esperança de achar.

Tarde demais, foi-se, ele jamais voltará.”

               O terceiro desafio é o labirinto. Como em tantas mitologias da humanidade no mundo dos trouxas, o labirinto só pode significar uma coisa: A complexidade e riqueza da nossa personalidade e ser. E para estudá-la com profundidade, em um primeiro momento, com certeza nós nos encontraríamos em uma miscelânea de possibilidades. E no centro do nosso ser, simbolizado pelo centro do labirinto, algo mágico e profundo poderíamos encontrar.

               Na mitologia grega, por exemplo, por constrangimento público, Minos, o rei de Creta, esconde seu filho – o Minotauro, no centro de um labirinto, construído pelo engenhoso arquiteto Dédalo. O Minotauro teria sido fruto da infidelidade de sua esposa com um touro (mas não se enganem: Minos também tinha parte nisso, já que tentou enganar Poseidon). A cidade de Atenas havia perdido a guerra contra Creta, e como tributo, deveria enviar anualmente sete jovens e sete donzelas para servir como baquete do Minotauro no centro do labirinto. Para livrar Atenas do pesado tributo, Teseu decide adentrar e enfrentar o Minotauro. Apesar de ter vencido esse Minotauro e saído do labirinto com a ajuda da apaixonada Ariadne com seu novelo de lã, o símbolo que devemos entender para as nossas observações é que o Minotauro é um ser com corpo humano e cabeça de touro, simbolizando, nesse caso, que é possível encontrar nossos instintos mais primitivos e ainda animalizados no centro do nosso mais profundo eu, no nosso labirinto interior.

               O labirinto de Harry tem o mesmo sentido simbólico do desafio do labirinto de Teseu e o Minotauro, mas vale lembrar que no centro, há a Taça Tribruxo, e o símbolo básico de uma taça ou um cálice, é que ele é o recipiente alquímico onde as transformações acontecem. Nesse sentido, foi consagrado em muitas mitologias como o cálice da vida eterna, pois quem bebesse desse cálice sagrado seria capaz de alcançar magicamente a felicidade para toda a eternidade. Mas o curioso, é que paradoxalmente transporta Harry e Cedrico para a morte – o encontro com Voldemort, como haviam previsto os professores de Hogwarts, que observamos no início. A morte então é algo ruim? Os professores ficariam felizes com a morte dos alunos?

               Os dois são transportados para o cemitério de Little Hangleton, simbolizando ainda mais a morte, Voldemort se utiliza do sangue de Harry para que, em um ritual com ajuda dos Comensais da Morte, pudesse restaurar seu corpo. Voldmort é o símbolo maior da morte, ou em outras palavras, como o trauma e a lembrança de Harry sobre a morte de seus pais era o próprio Voldemort, e se considerarmos o Voldemort como sendo uma parte do interno de Harry, como um dragão interno de um processo traumático por exemplo, não enfrentá-lo, para então possivelmente superar esse trauma, significa revivê-lo constantemente como se revive constantemente um trauma. Por isso Voldemort é o arqui-inimigo de Harry se considerarmos que os dois são a mesma pessoa, simbolicamente e psicologicamente falando. Voldemort é o processo emocional interno de Harry não trabalhado. É o trauma não trabalhado que fica revivendo constantemente até que, só depois de diversas batalhas internas, é possível superá-lo. Nesse sentido, é como reviver a morte. E se considerarmos que Cedrico também seja uma parte de Harry, ou em outras palavras, parte do nosso processo mágico de transformação e terapêutico, algo em nós precisa morrer para que se possa reviver novamente.

               Enquanto não supera, Harry revive, conversa e enfrenta a morte diversas vezes. É como a gente em processos de transformação, mas que insistimos em ficarmos no mesmo lugar. Nesse sentido, é natural que teremos que nos deparar com esse processo novamente, até que saiamos da nossa zona de conforto e enfrentemos a morte. Ao enfrentar, naturalmente uma parte de nós morreria definitivamente como Cedrico morreu, mas viveríamos para contar a história para nossos incríveis e irônicos professores que nos levam diretamente para a morte, mas que já sabiam que o enfrentamento da morte seria um processo positivo. E como vimos na batalha das varinhas mágicas entre Voldemort e Harry Potter no cemitério, outros fantasmas são libertados e que estavam presos na varinha da morte, ou se pudermos fazer a analogia com a gente mesmo, outros fantasmas que mal sabíamos que existiam e que provavelmente nos prendiam, podem enfim serem libertados, trazendo a leveza que mal sabíamos que poderiam ser alcançadas por nós mesmos.

               O Torneio Tribruxo é um lindo símbolo de um processo terapêutico de transformação e de enfrentamento dos traumas. É mágico mesmo pensarmos nos complexos, mas ricos e únicos caminhos para nosso interior profundo que pode ser acessado não só com o nosso intelecto. Podemos acessar a nossa riqueza interior e desvendar dos mistérios das nossas novas potencialidades latentes internas com a magia da intuição e investigação. Será que é por isso que tantas pessoas gostam assim de Harry Potter? Novos e novos fãs aparecem quando chegam na idade de poder ler o livro ou ver o filme. Será que de alguma forma, lá no inconsciente, conseguem entender que esse mundo mágico também faz parte do seu interior mais profundo como um cálice de fogo sagrado da vida?

               E aí? Continua achando que não somos mágicos? E que não podemos transformar esse mundo em algo mágico? Ou ainda vai insistir em viver em um mundo apagado e cinza que os trouxas insistem em preservar?

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Margareth Maria Demarchi e Samara Corrêa
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