“Há muito tempo o mundo era cheio de maravilhas. Tinha aventura, emoção e, o melhor de tudo, tinha magia. E a magia ajudava todos que precisavam. Mas não era fácil de dominar. Então o mundo achou um jeito mais simples de se virar. Com o tempo, a magia desapareceu, mas eu quero muito que a magia ainda viva em vocês.” Trecho do filme Dois irmãos.

            Dois irmãos elfos, Ian Lightfoot e Barley Lightfoot, se aventuram num mundo aparentemente sem emoções e sem maravilhas, para concluírem o ressurgimento de uma magia há muito esquecida e trazer seu pai de volta a vida por um dia para poder ver seus filhos crescidos e quase homens formados.

        Ian tem dificuldades de relacionamento na escola e deseja ser confiante que nem, supostamente, era seu pai. Já Barley tem o ímpeto do aventureiro, destemido, e tenta, o tempo todo, resgatar o passado mágico incrível do mundo em que vivem, muito bem representado nos jogos de RPG da época atual, como por exemplo, o Missões de Outrora.

      O filme originalmente se chama Onward, que significa – Adiante. Adiante para Ian que está preso numa crença limitante de que não pode ser melhor do que está. Adiante para Barley, que é muitas vezes chamado de pretenso historiador, tomado pelos outros como “metido a protetor” do patrimônio das conquistas do passado que muitas pessoas nem sabem se realmente existiu e mesmo nem querem revê-lo, pois observar o que aprendemos com o passado, significa olhar para dentro de si. Adiante para esse mundo fantástico criado pela Pixar e Disney, que, apesar de cheio de criaturas mágicas, mitológicas e divinas, para fugir das dificuldades da vida, criou inúmeras facilidades e comodismos, e apagou, literalmente, todo o seu potencial divino, como era com os magos, elfos, centauros, sátiros, ciclopes, unicórnios, dragões, orcs, gnomos, sereias, fadas, para se transformarem num mundo apagado e sem propósito muito parecido com o…(pasmem)… nosso mundo moderno! E Adiante para nós, que nos prendemos na nossa própria zona de conforto esquecendo nosso potencial e vivendo costumeiramente reclamando das dificuldades e da suposta monotonia da nossa vida. Mas, é claro, eu quero MUITO que a magia ainda viva em todos nós!

            Logo no começo e ao longo de todo o filme, vemos ótimas referências ao mundo de Senhor dos Anéis, do mundo dos RPGs criados posteriormente às obras de Tolkien e às várias criaturas da mitologia grega. A princípio num mundo mágico e cheio de maravilhas, mas depois num mundo “apagado” e sem perspectivas de propósitos de vida, por conta de todas “facilidades” que criaram, trocando o aprendizado demorado da magia de fogo, por exemplo, pela praticidade da lâmpada moderna que conhecemos; trocando o acolhimento e o sentimento de família que um condado Hobbit poderia nos trazer pela hamburgueria chamada Burguer Shire; criando uma sociedade indiferente que despreza lindos unicórnios alados os fazendo procurar comida nas latas de lixo pela cidade; obrigando orcs guerreiros se tornarem entregadores de jornal pela manhã; fazendo os fortes e velozes centauros buscarem a ociosidade, pois agora acham inútil correr; ofuscando o discernimento das fadas que acham que não sabem voar e agora viajam de avião; e numa cena “chocante”, transformando criaturas divinas em simples pessoas comuns para trabalharem numa linha de produção de uma fábrica. Ou seja, todos fora dos seus propósitos naturais divinos. Não há nada de errado com as profissões, o desafio é saber quem somos e estarmos integrados com aquele trabalho ou propósito que nos realiza como seres verdadeiros conosco mesmo.

            Não seria de se espantar então, que vemos Ian tentando ser mais confiante para ser aceito pelos seus amigos da escola, mas o tempo todo reanimado por seu irmão Barley que acredita que todos nós temos um guerreiro interior para ser despertado. Assim como a mãe deles, Laurel Lightfoot, mas que no caso, era incentivada pelo professor de aeróbica da tv para que acreditasse que também é uma guerreira e concluísse os exercícios propostos.

            Num certo tipo de representação de um ritual de passagem, quando Ian faz 16 anos, seu pai, que já não vive entre eles, corporalmente falando, dá um presente, guardado todo esse tempo pela mãe, aos dois filhos, que consiste simplesmente em um cajado, em uma gema Fênix, uma carta e uma instrução para conjurar a Magia da Aparição, para efetivamente, ressuscitá-lo por um dia e pudesse se orgulhar de ver seus filhos crescidos. Acontece que a magia falha e traz apenas as pernas de volta a vida e para concluir a magia precisam agora de outra gema Fênix. É aqui que a aventura se inicia.

            Nos estudos do mitologista Joseph Campbell, é descrita toda a trajetória e a jornada do herói. Sob essa perspectiva, o herói se depara com as dificuldades e obstáculos, transcende a si mesmo, vence os desafios que a vida lhe oferece, e retorna a sociedade para contar sua aventura e como se transformou para alcançar a virtude projetada pelos desafios. O herói não só descreve suas aventuras, mas principalmente, sua atitude muda perante a sociedade e passa a agir de uma forma mais positiva e pró ativa, como um exemplo direcionador para as outras pessoas se inspirarem a fazerem o mesmo, muito mais forte do que apenas palavras.

            Na jornada de Barley, o que lhe faz parecer ser destemido, é uma fuga da quarta memória que tinha de seu pai, e que jurou nunca mais sentir medo. E em toda sua aventura, é convidado para aquilo que não quer analisar dentro de si, mas só encarando a vida e concluindo toda a trajetória do desenvolvimento da virtude a se conquistar, que está preparado para o desafio final, para enfim morrer e renascer.

            Barley, com sua van Guinevere [sim, outrora a esposa do Rei Arthur], leva Ian a uma suposta taverna, onde encontrariam informações suficientes para continuar sua aventura de encontrar a gema Fênix.

            “Você tem que se arriscar na vida para ter uma aventura” era a frase preferida da Mantícora, personagem da mitologia grega, meio leão, com asas de morcego e cauda de escorpião, mas que no filme, deixa sua bravura e coragem de lado, para cuidar de um restaurante temático com festas de aniversário, fliperama, pelúcia em tamanho real,  entre outros. Esse restaurante, na verdade, nos tempos em que a magia era recorrente no mundo, era uma taverna, muito comum nos jogos de rpg para aventureiros encontrarem trabalhos heroicos. O desafio da Mantícora, agora chamada de Corey, era reavaliar se não estava também oprimindo seu verdadeiro propósito, que era encarar a vida com mais brilho e magia ao invés de preparar sopas e karaokê na sua, agora, taverna temática. A Mantícora, nas mitologias, temida por todos, agora perdida na própria “proteção” que acha que criou para garantir um ilusório conforto de uma vida sem riscos.

            Ian convive com sua falta de confiança, e é justamente a coragem e a auto confiança as virtudes que se desdobram durante a aventura para que ele complete sua jornada do herói. Mas para que a gente ponha nossa cabeça para funcionar, tomemos como referência a frase de Campbell que diz: “A maldição irrompe da casca da nossa própria virtude”, e a vida de estudante de Ian Lightfoot como exemplos.

            Se trocarmos a palavra “maldição” por “crise”, podemos observar que toda vez que alcançamos uma virtude, uma excelência dentro de nós, ou em outras palavras, aprendemos com a vida e adquirimos uma qualidade em nós como uma pessoa melhor (o que, muitas vezes, se mostra para nós, como uma calmaria após a tempestade), aparece uma outra “maldição”, ou “crise” na nossa vida. Apesar de algumas crises existirem por nossa própria negligência ou por falta de assumir a responsabilidade, muitas vezes essa nova crise é na verdade mérito. Sim! Mérito. Pois, nos imaginando como um herói que está sempre se preparando e crescendo, já entendendo nossos sentimentos e já conseguindo adquirir as virtudes que os desafios da nossa vida constantemente nos oferecem, novos desafios surgirão naturalmente, mas agora, o herói em nós está preparado para esses novos obstáculos, e é justamente isso que diferencia o verdadeiro herói: estar sempre pronto para a nova aventura.

            No caso de um estudante como Ian, num exemplo simples, ao passar do ensino fundamental para o ensino médio, normalmente temos a tendência de reclamar dos novos desafios, como: novos amigos, aparentemente desafiadores; muitas vezes, mais provas; e com certeza mais estudos, como a preparação para o vestibular; mas na verdade não é uma crise, e sim mérito, pois vencemos todos os desafios do ensino fundamental e estamos no ensino médio por nossa conquista e não por imprevidência, azar ou castigo, como normalmente observamos.

            Ian, no final do filme, conquista a virtude da auto confiança, e por isso mesmo rompe a casca de si mesmo e se depara com um novo desafio – muito mais feroz, ou uma nova “maldição”, ou se quisermos assim chamar, uma nova “crise”, mas agora mais preparado por seu próprio esforço.

            No fim, as dificuldades na nossa vida são inevitáveis, sejam eles, maldições ou crises. Eu prefiro chamar de desafios. Não interessa se são desafios negativos ou positivos, ou mesmo por nossa falta de cautela, todos eles nos convidam a irromper da casca do nosso antigo eu para nosso novo eu.

            Tomando a gema Fênix do filme como símbolo, já que Fênix significa ressurgir das cinzas, Joseph Campbell diz que a única coisa que supera a morte é o renascimento. E se em todos os nossos desafios, morrermos e renascermos para nós mesmos, como significativos rituais de crescimento, estaremos mais preparados para as “mortes” da vida e com certeza mais preparado para encarar as dificuldades e arriscar mais na vida, como a Mantícora antigamente fazia.

            Se no filme as criaturas divinas oprimem sua verdadeira natureza, preferindo “as facilidades” da vida, tornando o mundo mais sem graça e apagado, nós devemos fazer o contrário e acreditar que nós somos divinos se aceitarmos a vida como uma escola para despertar o Herói que Existe em Nós, encararmos os desafios de frente e nunca esquecer que todos nós somos importantes demais para nos prendermos nas “facilidades ilusórias” da vida.

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Fábio Henrique Marques
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