Um futuro heroico distópico te espera na leitura dessa HQ incrível escrita por Mark Waid e arte por conta de Alex Ross. O Reino do Amanhã nos conta sobre novas gerações de heróis que surgiram e junto com eles a ideia de que a violência e a punição através da morte são mais eficazes do que a velha e antiquada moralidade – como valor maior, dos já então ultrapassados heróis como Super-Homem, Mulher-Maravilha, Batman, entre outros. Poderes, principalmente desses filhos e netos dos nossos inspiradores heróis, sem a responsabilidade, como consequência natural daquilo que o bom senso poderia adquirir com a “dita antiquada” moralidade, só poderia gerar um resultado: caos.

    Já a humanidade, vítima de uma violência alarmante de heróis contra vilões e até de heróis contra heróis, em que a preservação da vida sob qualquer circunstância, foi deixada de lado, se sente cada vez mais impossibilitada de intervir em favor do seu próprio protagonismo. No início da história, nos deparamos com o primeiro Sandman, Wesley Dodds, que, mesmo em seus derradeiros dias, embora mortal e sem poderes, ainda tem íntima relação com os sonhos, que o alerta sobre nada mais nada menos do que o: Apocalipse Bíblico. Wesley, e outros com o qual conversava, sentiam uma profunda “falta de realização humana”, e quando censurado, dizia que “a iniciativa humana morreu quando as pessoas pediram que uma nova raça enfrentasse o futuro por elas”.

     Embora tenhamos um forte tema como o provável fim do mundo, os heróis são obrigados a indagar sobre sua própria integridade diante de circunstâncias difíceis, do que propriamente, lutas corporais. Já o desafio da humanidade, assim como o nosso – fora da ficção, é saber se somos protagonistas da nossa própria história.

     Há um divertido perigo em gostar de histórias heroicas, assim, é claro, como nossas tendências, que consiste em nos convencer de que, para que o mundo melhore ao nosso redor, as outras pessoas deveriam mudar, nunca nós mesmos.

     E para entender melhor o que Wesley Dodds sentia, podemos fazer um exercício dividindo nossa mente um duas partes. A primeira seria aquele nosso lado da imaginação e do poder associativo que temos de correlacionar qualquer coisa que seja. Ou, em outras palavras, nossa capacidade mental de fantasiar, imaginar, associar e criar qualquer coisa, até porque, tudo que construímos no mundo passou pelo crivo da nossa mente, já nos colocando naturalmente, no lugar daquele que é o protagonista da sua própria vida.

     A segunda parte da nossa mente seria o pensamento lógico, nosso raciocínio e nosso discernimento para criar moldes ou estruturas mentais para, por exemplo, sabermos decidir o melhor caminho a se seguir. E embora tenhamos esse pensamento direcionador excepcional, às vezes escolhemos caminhos ruins. Quando, por exemplo, sentimos um vazio existencial, elegemos entretenimento excessivo ou recursos tecnológicos em demasia na tentativa de preencher esses ‘buracos’ em nós. Em outra escolha ruim, nos colocamos de forma passiva, numa espécie de zona de conforto, esperando que os outros resolvam os problemas para nós. E quando nós, como coletivo, passamos por esse sentimento de falta de realização, é porque transferimos a responsabilidade de mudança interior ou exterior para uma outra pessoa, para um grupo social qualquer, ou mesmo um “herói”, reprimindo em nós mesmos a nossa capacidade imaginativa, a capacidade de criação, a capacidade de sonhar ou mesmo de acreditar que somos o protagonista da nossa própria vida. E é exatamente o que acontece com a humanidade no Reino do Amanhã.

     Dentre esses desafios que vemos os humanos enfrentarem, os super-humanos também têm suas batalhas. Vemos Bruce Wayne fazendo alianças inesperadas, mesmo que saibamos que o Batman sempre tem um plano; vemos a Mulher Maravilha em um conflito consigo mesma, pois ao longo de sua trajetória até esse futuro pré-apocalíptico, passa a agir com mais violência e a acreditar cada vez menos nas palavras e nas ações reconciliadoras, e sua crise piora quando, por decisão de sua mãe e das amazonas, é destituída tanto do cargo de embaixadora da paz quanto da posição de herdeira do trono do reino grego, por supostamente ter falhado com a humanidade em trazer a paz; mas podemos observar que há uma tríade de conflito entre Super-Homem, Magog (um herói da nova geração, ou seja, mais violento) e as decisões da humanidade como coletividade.

     Vários heróis da velha guarda se aposentam inspirados pelo Super-Homem que sai de cena por 10 anos, após um ato de violência protagonizado por esse novo herói chamado Magog. Após esse ato, a humanidade escolhe Magog como novo protetor, por achar que violência poderia resolver seus problemas. Acontece que esse ato de violência envolveu nada mais nada menos que uma pessoa muito querida, um vilão surpresa curioso [que poderá ser revelado somente com a leitura do quadrinho, caso você ainda não tenha lido], e fez Magog desafiar Super-Homem para retirá-lo do cargo-símbolo de protetor da humanidade. Mas Super-Homem, que desempenhava esse papel muito bem por estar sempre na posição daquele que sabe fazer o que é justo, digno e ético, não importam as circunstâncias, criou no passado, com aqueles desatentos à sua própria potencialidade, uma relação de dependência com os humanos, que queriam que os super-humanos resolvessem todos os seus problemas, engolfados em sua própria zona de conforto.

     Acontece que o orgulho e a vaidade tomaram conta de Magog. Ao ser apoiado pela humanidade, recebeu a carta branca para agir como bem entendesse, até que em um fatídico dia suas ações prejudicam a humanidade a um grau extremo. E é nesse dia que Super-Homem volta a atuar e se vê obrigado a prender alguns heróis por conta da onda de violência causada por um idealismo que não estava preocupado com a preservação da vida, muito menos com a opinião da humanidade. Mas o Super-Homem entra em conflito, pois, por achar que suas ações impunham aos novos heróis ou uma nova conduta ou a prisão, começa a se questionar se não estava, assim como alguns heróis das novas gerações, criando ações fascistas. Constantemente se questionava: “O que fazer com aqueles que não querem ver a luz? Impor meu ideal?”.

     A resolução ao seu questionamento chega a uma conclusão quando se depara novamente com Magog e o Super-Homem, embora aparentemente desafiado a uma batalha, se surpreende ao perceber que Magog se arrepende de seus atos, pois não consegue viver com os fantasmas das lembranças de suas ações e implora por sua ajuda.

     Super Homem percebe, após esse encontro, que suas ações não estavam se encaminhando para o fascismo ou para imposição, pois dentro da construção da sua própria história, como protagonista de sua própria vida, soube se imaginar como uma pessoa melhor e discerniu bem. E no dia em que a humanidade escolheu Magog como novo protetor, não que Super-Homem não tenha feito nada, mas fez aquilo que lhe coube no momento. Não decidiu por exemplo, se impor a humanidade dizendo que ele sempre foi o verdadeiro símbolo de proteção, num ato de orgulho, ou, num ato de rebeldia, dizendo que a humanidade estava sendo ingrata por não reconhecer tudo que ele já tinha feito até então, recriando o sentimento de dependência, mas que na hora certa, seguiu, com integridade e com firmeza sua linha ideológica do que é certo a se fazer e se retirou. A luta física não foi necessária para ele ser um herói. E dentro do nosso protagonismo, dentro da construção da nossa própria história, não é preciso fazer coisas extraordinárias ou atos heroicos, mas sim aquilo que nos cabe, considerando nosso discernimento apurado para fazer boas escolhas, nossa capacidade imaginativa e principalmente nosso poder de protagonismo, sempre cuidando e exercitando para que o sentimento de “falta de realização” não nasça em nós novamente.

     Mas é nesse momento, na resolução desse caos pré-apocalíptico instaurado, com tantos heróis violentos agindo e com tantos heróis da velha guarda tendo que resolver a situação, que Super-Homem percebe que nunca deveriam ter deixado a humanidade fora das decisões coletivas, e com ações pequenas de várias pessoas juntas, sem castas, sem diferenças entre super-humanos e humanos, e sem um se considerando melhor que o outro. Até porque, em decisões de ordem moral, não é preciso ser um Super, basta que façamos aquilo que nos cabe, sendo simplesmente nós mesmos, mas firmes naquilo que vislumbramos e imaginamos em nós como seres melhores.

     Super-Homem, com uma ação-símbolo e conclusiva para a situação, inclui a humanidade nas decisões derradeiras e pede para um único herói, que é tanto humano quanto super na mesma proporção, decidir o futuro da humanidade. Saber quem é esse herói fica por sua conta… Mark Waid, o autor do roteiro da história, agradece a Elliot S. Maggin, também escritor de quadrinhos, por ter lhe dado olhos de Raios X e por ter lhe ensinado a voar, lhe inspirando a escrever essa história. Assim, podemos perceber que não há limites para nossa capacidade e imaginação, pois, embora humanos, também podemos ter visão de raios X para discernirmos com sabedoria, e asas para voarmos e criarmos nossa própria história.

 

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Fábio Henrique Marques
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