[Atenção: Análise com Spoilers] – Para uma melhor experiência da sua leitura, ouça ao mesmo tempo, o PODCAST no fim desse texto.

          É com alegria que mais uma vez estamos com todos vocês que nos acompanham fazendo a análise do segundo livro e filme do Harry Potter e a Câmara Secreta.

         Acredito que a primeira observação que devemos fazer é sobre o próprio título do livro: A Câmara Secreta! E quando a gente transporta essa ideia do título para nossas descobertas internas, podemos fazer um paralelo para considerar que a câmara secreta são nossas próprias indagações, dificuldades, desafios, monstros, sombras, medos, crenças limitantes, desejos ou vergonhas que sufocamos. E como já nos disseram os sábios de todas as eras do nosso mundo dos trouxas: “nós somos o nosso maior inimigo”, senão trabalharmos para, no mínimo, entender nossos enigmas internos. Voldemort é o inimigo número 1 de Harry! O curioso é que nós também temos aquela nossa dificuldade número 1 – aquela que parece que nos persegue por grande parte da nossa vida. Pode ser a baixa autoestima, pode ser a raiva ou a tristeza, pode ser o descontentamento constante, pode ser a procrastinação, e pode ser tantos outros inimigos internos. Pode ser até aquilo que alguém nos disse em algum momento da nossa vida, que mal nos lembramos direito, e que de certa forma, seguimos o que esse alguém nos disse. São as crenças limitantes. Alguém importante do nosso círculo de convivência, por achar que nos auxiliaria de alguma forma, ou talvez por outra coisa, disse algo parecido com: “Você não vai conseguir”, “Isso não é pra você”, “você é burro”, “você é gordo”, “você é chata”, e até mesmo conceitos sociais, conceitos familiares e tabus. São eventos substanciais que nos governam e mal nos damos conta. E que são como “inimigos” centrais na Câmara Secreta do nosso inconsciente. O nosso Voldemort interno.

         Temos dois exemplos cruciais no enredo do livro.

         O primeiro é a família Dursley, em que podemos observar o Tio de Harry, Valter Dursley, bajulando o construtor Sr. Mason para garantir um investimento do empreiteiro em sua empresa de perfuração. Nessa cena vemos todas as formalidades e apresentações metódicas, criadas pela família Dursley, de como agir para agradar os outros, e que toda a forma de ser, em verdadeira essência, deixa de existir.

         Tentando ser é que não somos! Vemos que a moeda de troca para sermos aceitos é a bajulação e a pressa em agradar. Mas se a moeda de troca é a bajulação e se nossa forma habitual de agir for igual a da família Dursley, nunca teríamos garantias de um relacionamento saudável, pois se agradamos para sermos aceitos, podemos acreditar que as pessoas, nos nossos círculos de convivência, também agem para nos agradar – essencialmente criaríamos hábitos de relacionamentos superficiais por agirmos constantemente querendo agradar, e é justamente esse hábito que faz com que acreditemos que o mundo é como vemos através dos nossos conceitos.

         E esse hábito de relacionamento superficial através da bajulação está tão enraizado na família Dursley que vemos Duda o tempo todo sendo bajulado pelos pais, que dão tantos presentes a ele, que Duda nem sequer sabe agradecer. Pelo contrário, fica enraivecido quando não recebe o que quer. Nessa família o valor está invertido: o valor do relacionamento está no presente e não nas relações. O valor é medido pela quantidade de presentes que se possa ganhar – como no caso da bajulação, e não através de uma valorização por sermos quem verdadeiramente somos em essência – mesmo “tortinhos” que somos e cheio de desafios de desenvolvimento e relacionamentos, mas verdadeiramente nós.

         Essa situação se repete quando conhecemos o professor Gilderoy Lockhart, que tenta ser o que não é e acaba se colocando em maus lençóis, pois foi indicado para salvar a Gina na Câmara Secreta e não tinha conhecimento da arte das trevas para realizar tal feito.

         Gina Weasley é o segundo exemplo.

         Gina ainda não tinha encontrado sua força interior. A única menina da família e a mais nova, ainda não entendia com clareza que seus sentimentos tentavam mostrar que não era valorizada como deveria ser, e justamente por isso não acreditava no seu próprio valor. Sua baixa autoestima foi a chave para encontrar um amigo, supostamente verdadeiro, num diário que respondia aos seus segredos e confidências. Mas nunca parou para se questionar quem estaria respondendo por trás das escritas mágicas do diário. Uma pessoa que tivesse trabalhado seu valor próprio jamais contaria suas maiores confidências para alguém que acabou de conhecer.

         Tom Ridley, o Voldemort, se aproveita da situação para chegar ao Harry Potter. Descobre, por exemplo, que Gina acreditava que o “importante” e “famoso” Harry Potter jamais poderia gostar dela. Mas isso é outra característica de quem não acredita no seu próprio potencial. A pessoa se enfraquece, quando observa uma pessoa que considera ser maior que ela própria. Harry era considerado “importante” e “famoso”, e ela era só a Gina Weasley. Alimentando esse péssimo hábito de nos desvalorizarmos, é curioso como nos tratamos mal, muitas vezes ser ter a plena consciência disso. Quando olhamos para uma pessoa que está numa posição social qualquer e consideramos que essa posição confere ao outro um status superior a nós, estamos mentindo para nós mesmos desconsiderando que aquela pessoa não tem problemas, dificuldades e defeitos. Se não cuidamos de nós mesmos, podemos cair na armadilha de acreditarmos que um palestrante, um influencer digital, um herói ou um ídolo, são pessoas inalcançáveis e com o dom supremo da palavra. Enfraquecemos a nós mesmos pensando assim. Até mesmo as posições das hierarquias sociais, como alguém que ocupa o cargo que consideramos importante numa empresa, por exemplo.

         Temos que admitir que esse é nosso poder de imaginação. Uma pessoa se aproxima de nós, e é totalmente natural criarmos imagens mentais, julgamentos e análises sobre essa pessoa. O que não entendemos totalmente, é que essa poderosa imaginação está carregada dos nossos conceitos, associações que fazemos, e num exemplo, carregada das considerações da nossa própria baixa autoestima, como no caso da Gina. Nosso pensamento é muito rápido, e antes da pessoa se dirigir a nós, já fizemos diversas associações mentais sobre aquela pessoa. É possível até que as características do rosto e a feição daquela pessoa nos lembre de algo que nos faz sentir bem ou mal, mas que, com toda certeza, não é verdade sobre aquela pessoa. Precisamos colocar a imaginação sob o crivo do nosso intelecto, que apesar de termos o poder imaginativo rápido e criativo, a inteligência precisa discernir entre o que é um julgamento precipitado e o que é a chance de nos permitirmos experimentar sem julgar o outro. Ou ao contrário como no caso da Gina. Observar se não estamos julgamos a nós mesmos em relação ao outro, dentro do hábito do poder imaginativo, de acreditar que não somos importantes para nós mesmos. E só para nós mesmos! Não é preciso a comparação com o outro que supostamente é superior, nem o enfraquecimento através das nossas crenças limitantes.

       Um outro ponto interessante que podemos conversar aqui, é sobre a comunicação. E como acabamos de conversar sobre como a imaginação é poderosa em nós, observemos quantos julgamentos precipitados podem gerar, em nós mesmos, armadilhas emocionais, e como a comunicação sincera poderia evitar muitos desses problemas.

         Imaginemos uma situação em que nossos pais, talvez por acreditar que estão nos ajudando, nos dizem: “você tem que seguir o exemplo do seu irmão” ou “você não faz nada direto”. É possível, dada essas situações, que desenvolvamos a crença de que não somos capazes.

         Em outra situação, um amigo chateado conosco, sem muito pensar em como nos falar, diz: “Nossa, como você é chato!”. Por termos desenvolvido o hábito de achar que somos menores do que as outras pessoas, podemos acreditar que somos chatos por completo, como se não tivéssemos outras qualidades e outros poderes naturais desenvolvidos. Mas talvez, se perguntássemos para o nosso amigo porque estaria nos achando chato, é bem provável que ele nos diria, que em determinada situação, erramos com ele e que se agíssemos de outra maneira, talvez poderíamos não chateá-lo. E para esclarecer melhor, é assim também quando alguém pisa na bola com a gente. Não é porque alguém nos chateou, que deixamos de gostar dela, mas quando é com a gente fazemos exatamente o contrário: nos identificamos com aquilo que nos dizem que somos. Ou seja, o que deveria ser algo pontual, levamos para a vida toda.

         É muito comum por exemplo, que quando não passamos no vestibular, ou somos mandados embora de um emprego, acreditamos que não somos capazes. Ou quando terminamos um namoro, podemos acreditar que ninguém nunca vai gostar da gente. Mas que, com perguntas para nós mesmos e exercícios mentais, poderíamos resolver muitos conflitos internos. Somos realmente incapazes? É possível que ninguém nunca vai gostar da gente mesmo?

         Psicologicamente falando, a Gina se deparou com vários conceitos internos desse tipo e com falta de comunicação. Filha mais nova, carregava o peso de não ser tão eficiente como seus irmãos. Ser menina, e ter características diferentes dos hábitos masculinos mais objetivos, podem fazer que a sensibilidade feminina seja reprimida. E a baixa autoestima a fazia acreditar que as pessoas “famosas” e “importantes”, como Harry, jamais poderiam gostar dela. Mas ela teve uma conversa sincera com os pais? E ela se permitiu conhecer o Harry Potter verdadeiramente, antes de criar diversas situações imaginativas que estavam somente na sua cabeça?

         O quanto a comunicação é importante na nossa vida! Mas o quanto não vemos a comunicação sincera acontecer. Nem mesmo a comunicação interna de nos conhecermos melhor e de nos respeitarmos como deveríamos. E é interessante ainda saber que a comunicação sincera nos permite discordar das pessoas mais queridas sem que isso cause um constrangimento ou aversão pelo outro.

         Não nos damos a chance de conhecer o outro como ele realmente é, por conta talvez, das nossas crenças limitantes, só que agora, em jargões sociais como: “não temos tempo para nada”, “tempo é dinheiro”, “o que o outro faz é para chamar a atenção”, “o que ela faz é frescura”, “essa pessoa não sabe o que faz, eu sei fazer muito melhor que ela!” e por aí vai. E é ainda pior quando nos fechamos nas nossas próprias convicções e só aceitamos as pessoas que pensam como nós. As pessoas que pensam diferente são repelidas, porque pensar diferente nos tira da nossa zona de conforto. Outras pessoas trazerem conceitos diferentes dos nossos, nos fazem ter que abrir mão de tudo aquilo que nós construímos como verdade para nós mesmos. E não queremos fazer isso. Queremos preservar o nosso mundinho. Por isso o diferente é tão difícil de aceitar.

         Vemos isso no filme quando observamos a família Malfoy. A ideia de ‘bruxo puro’ é exatamente isso. É a nossa tendência em sermos todos iguais e perfeitos de acordo somente com nossos conceitos, justamente para manter intacto o mundo de conceitos e verdades que criamos para nós mesmos. Mas essa aversão em experimentar o novo e evitar pessoas com conceitos diferentes não revelaria nosso medo de destruir nosso mundinho e nossas verdades que criamos para nós mesmos? Esse sentimento é até um instinto de preservação, mas também não seria orgulho não admitirmos que somos falhos e vulneráveis? E é muito fácil que, sem proteção, podemos nos esconder na cara de um vilão, nos tornando cada vez mais carrancudos. Podemos perceber então que, essa cara de vilão dos Malfoy, essa arrogância e orgulho deles, nada mais é do que uma tentativa de serem superiores às outras pessoas, mas a tentativa revela que há uma vulnerabilidade neles. E essa vulnerabilidade revela que não se permitem ser falhos, pois assim se sentiriam inferiores. Estão se preservando de certa forma, mas de um jeito distorcido. Que fere outras pessoas.

         Mas é importante dizermos aqui, diante da investigação sobre nós mesmos, e fazendo um paralelo sincero com o filme e livro do Harry Potter, que há uma Câmara Secreta em nós, pronta para ser explorada e que há muito a aprender sobre nós mesmos. E que quanto mais “fecharmos” ou oprimirmos nossos sentimentos dentro dessa câmara secreta, mais a nossa natureza humana o colocará para fora, e serão expressões e atitudes não muito legais: como a família Dursley e o professor Lockhart querendo ser o que não eram; como o caso da Gina e sua baixo autoestima; como os Malfoys e suas tentativas de serem superiores aos outros; ou como Tom Ridley e toda sua raiva. Mas que possamos fazer como Harry Potter, que foi até o mais profundo de si mesmo, entrou na sua Câmara Secreta e se deparou com símbolos pertinentes à sua jornada: o basilisco, que é uma cobra gigante, e a fênix Fawkes de Dumbledore. A cobra é símbolo de transformação, morte, renascimento e sabedoria. Assim como a fênix, que ressurge das cinzas.

         Diante de tudo isso e com toda essa bagagem, conseguiu enfrentar seu pior inimigo: Voldemort. Precisou conhecê-lo melhor para poder vencê-lo. Assim acontece conosco dentro da nossa câmara secreta: encontramos nossos piores inimigos e desafios, mas também a sabedoria necessária ao nosso próprio crescimento.

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Margareth Maria Demarchi e Samara Corrêa
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