“Eu sempre senti uma espécie de inveja dos seres humanos, daquela coisa chamada ‘espírito’. Os humanos criaram milhões de explicações pro sentido da vida, na arte, na poesia, em fórmulas matemáticas. Certamente os humanos são a chave para o sentido da existência, mas os humanos não existem mais. …Então criamos um projeto que tornaria possível recriar o corpo vivo de uma pessoa há muito morta, de um fragmento de DNA… E também nos perguntamos: Será possível restaurar a memória juntamente com o corpo ressuscitado? E sabe o que descobrimos? Que a própria estrutura do espaço-tempo armazenava informações sobre cada evento ocorrido no passado. Mas a experiência foi um fracasso. Os ressuscitados só viviam um único dia de sua nova vida. Quando eles dormiam na noite de seu primeiro novo dia eles morriam de novo. Assim que ficavam inconscientes, suas vidas dissipavam na escuridão. Então, veja, as equações mostraram que uma vez que a trilha do espaço-tempo de um indivíduo tenha sido usada, ela não pode ser mais reutilizada.” – Um alienígena para o androide David, 2.000 anos após a extinção humana.

            Bem-vindos a um dos poucos filmes capazes de sintetizarem a ideia Cyber-Punk tão bem quanto esse. Baseada num conto chamado “Superbrinquedos duram o verão todo” de Brian Aldiss, Stankey Kubric inicia um projeto, que, após sua morte, é concluído por Steven Spielberg. Enquanto vivenciamos a angustia da escuridão que a alma humana poderia sentir com a solidão por parte da arte de Kubric, vivenciamos também, dias iluminados pela arte, que tão bem conhecemos por suas mensagens de otimismo, amor e esperança em tantos filmes já dirigidos, de Steven Spierlberg.

            A.I – Inteligência Artificial, filme lançado em 2001, pra mim, é uma obra-prima. Vemos escuridão e luz, sentimentos de solidão e de imaturidade emocional dos humanos diante de sua própria capacidade intelectual e suas próprias criações – robôs-androides com uma inteligência artificial altamente sofisticada – mas mostrando que a balança entre o alcance intelectual e sua inteligência emocional nem sempre está equilibrada. E nos faz perceber que somos motivados por uma capacidade da natureza humana de perseverar, de conquistar, de criar novos horizontes, de se renovar, de irmos até onde nosso amor é capaz de nos levar – nossa capacidade de sonhar e correr atrás dos nossos próprios sonhos!

            A princípio somos inseridos num mundo distópico obscuro, bem ao reflexo das obras de Kubric, numa grande crise humana, com parte do planeta inundado pelos oceanos por conta do aquecimento global e do derretimento das calotas polares, obrigando os seres humanos, diante de uma grande crise econômica, a se adaptarem com androides inteligentes, para assim, sintetizarem o tempo gasto com trabalho de desenvolvimento tanto humano quanto do planeta.

            O nosso espanto está anunciado quando nos deparamos com máquinas simulando ações humanas, a princípio mais robóticas, mas depois, com androides capazes de reproduzir até o amor que naturalmente sentimos, através de algoritmos de alto nível criados pela ciência da qual o filme é ambientado, nos levando, através de um sentimento subversivo, ao que parece ser um filme de terror.

           É muito estranho nos sentirmos no lugar de uma mãe que, ao quase perder seu filho num acidente, e após um longo processo de recuperação não tão bem sucedido, e, logo em seguida, por circunstâncias favoráveis, adquire um androide criança capaz de sentir amor como os humanos, sente uma certa aversão por seu “novo filho”, e ver sua contradição emocional nos causa um desconforto interessante. Pois, a princípio, saber que é um robô, nos faz pensar que essa engenharia jamais seria um substituto de um filho. Por outro lado, sua beleza é tão singular, incluindo sua impressionante semelhança com uma criança de verdade, fazendo com que nos permitamos criar sentimentos de afeição por uma criança com feições tão dóceis, muito bem interpretada pelo ator Haley Joel Osment, e abrindo nossa guarda, principalmente quando nos deparamos com o amor sincero de um outro alguém.

           David, o personagem de Haley, declara o tempo todo seu amor à ‘mãe’ Mônica, interpretada por Francis O’Connor, fazendo com que se renda às essas interpelações de amor, e, são essas situações que nos assustam o tempo todo, pois o filme, exagerando esse amor de David à mãe, cria uma quase obrigatoriedade de David ser correspondido, SENÃO…

…o típico cenário de filmes de terror poderia vir à tona.

           É claro que esse terror não acontece e essa sensação é criada propositalmente pelo filme para que possamos fazer a reflexão entre desenvolvimento intelectual e inteligência emocional. Pois, se por um lado a humanidade conquistou o mais alto grau de avanço tecnológico, a nossa inteligência emocional não conseguiu acompanhar, e claramente a mãe é colocada numa situação de conflitos emocionais distorcidos pela invenção tecnológica capaz de nos reproduzir sentimentalmente, e não sabe colocar em equilíbrio o amor e a razão. E quem é que sabe conduzir esse equilíbrio com plenitude, não é mesmo?

           Do meio para o fim do filme, outro sentimento nos invade. Sentimento esse mais esperançoso, refletindo agora, as obras de Spielberg. David possui uma inteligência artificial tão próxima à perfeição que sua capacidade de amar é também sua fonte de esperança. Inspirado por Pinóquio, queria também se tornar um menino de verdade e vai até os confins do mundo para encontrar a fada azul capaz de tornar seu sonho realidade. Como o próprio criador desses androides mais inteligentes nos diz no início do filme, a tecnologia seria agora capaz de reproduzir o sentimento do amor e que consequentemente surgiria um ingrediente a mais: o sonhar.

           É claro que sonhar, é uma denominação de nossa capacidade também, de ver beleza em qualquer coisa e poetizar aquilo que nos rodeia, e que, no caso, essa nossa deliberada busca por concretizar nossos sonhos é o empenho próprio da natureza humana de ir incansavelmente atrás da felicidade. Indo de encontro com o pensamento aristotélico que diz que o ser humano, por natureza biológica, tem como finalidade, como objetivo final, independente da área de convívio, atuação profissional ou social, a busca pela felicidade. É inerente à natureza humana.

           David é muito mais empenhado em sua busca pela felicidade, em sua vontade de realizar seu sonho de se tornar um menino e assim conquistar o amor de sua mãe, pois é um robô que não se cansa nunca, mas que, por condições exteriores (não vou mais além pra ficar o convite de ver o filme), congela. E dois mil anos após a extinção humana, David é o registro mais íntegro daquilo que somos, é a memória viva dos nossos sentimentos para enfim, após tantos séculos ou mesmo milênios, contar à seres pesquisadores de outro planeta – como uma espécie de arqueólogos espaciais, a beleza dos seres humanos. Esses humanoides pesquisando o planeta Terra, evoluídos intelectualmente e cheios de sabedorias no coração, que são representadas no filme por seres mais translúcidos, são envolvidos por uma espécie de ‘inveja’ da nossa espécie, pois dentro do tecido do espaço-tempo da qual estamos inseridos, criamos, como espécie, milhões de explicações para entender o sentido da vida, precisamente para justificar a nossa eterna busca pela felicidade, sem notar que a resposta está em nós mesmos, pois somos arte, poesia, e somos também, fórmulas matemáticas de DNA,  de intelecto e de coração, sempre subindo ao encontro do nosso eu melhorado, já lá em cima, pelo menos ou por enquanto, no nosso ideal. Se existe um filme cyber-punk, pra mim é esse. Um futuro distópico inserido na esperança da descoberta no nosso próprio eu. Um filme assustador, mas mágico, pois se nos colocarmos, sob a visão de fora do planeta Terra, como se pudéssemos ser vistos por alienígenas arqueólogos espaciais em busca das infinitas possibilidades do espaço-tempo, veríamos que somos seres únicos por simplesmente sermos quem somos, mas sempre em busca do nosso próprio desenvolvimento, da nossa própria felicidade, individualmente e como espécie.

 

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Fábio Henrique Marques
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